O historiador Albrecht Ritschl evoca em
entrevista ao site de Der Spiegel vários momentos na História do século
XX em que a Alemanha equilibrou as suas contas à custa de generosas
injecções de capital norte-americano ou do cancelamento de dívidas
astronómicas, suportadas por grandes e pequenos países credores.
Ritschl começa por lembrar que a
República de Weimar viveu entre 1924 e 1929 a pagar com empréstimos
norte-americanos as reparações de guerra a que ficara condenada pelo
Tratado de Versalhes, após a derrota sofrida na Primeira Grande Guerra.
Como a crise de 1931, decorrente do crash bolsista de 1929, impediu o
pagamento desses empréstimos, foram os EUA a arcar com os custos das
reparações.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA
anteciparam-se e impediram que fossem exigidas à Alemanha reparações de
guerra tão avultadas como o foram em Versalhes. Quase tudo ficou adiado
até ao dia de uma eventual reunificação alemã. E, lembra Ritschl, isso
significou que os trabalhadores escravizados pelo nazismo não foram
compensados e que a maioria dos países europeus se viu obrigada a
renunciar às indemnizações que lhe correspondiam devido à ocupação
alemã.
No caso da Grécia, essa renúncia foi
imposta por uma sangrenta guerra civil, ganha pelas forças
pró-ocidentais já no contexto da Guerra Fria. Por muito que a Alemanha
de Konrad Adenauer e Ludwig Ehrard tivesse recusado pagar indemnizações à
Grécia, teria sempre à perna a reivindicação desse pagamento se não
fosse por a esquerda grega ficar silenciada na sequência da guerra
civil.
À pergunta do entrevistador, pressupondo
a importância da primeira ajuda à Grécia, no valor de 110 mil milhões
de euros, e da segunda, em valor semelhante, contrapõe Ritschl a
perspectiva histórica: essas somas são peanuts ao lado do incumprimento
alemão dos anos 30, apenas comparável aos custos que teve para os EUA a
crise do subprime em 2008. A gravidade da crise grega, acrescenta o
especialista em História económica, não reside tanto no volume da ajuda
requerida pelo pequeno país, como no risco de contágio a outros países
europeus.»
Ritschl lembra também que em 1953 os
próprios EUA cancelaram uma parte substancial da dívida alemã - um
haircut, segundo a moderna expressão, que reduziu a abundante cabeleira
"afro" da potência devedora a uma reluzente careca. E o resultado
paradoxal foi exonerar a Alemanha dos custos da guerra que tinha
causado, e deixá-los aos países vítimas da ocupação.
E, finalmente, também em 1990 a Alemanha
passou um calote aos seus credores, quando o chanceler Helmut Kohl
decidiu ignorar o tal acordo que remetia para o dia da reunificação
alemã os pagamentos devidos pela guerra. É que isso era fácil de
prometer enquanto a reunificação parecia música de um futuro distante,
mas difícil de cumprir quando chegasse o dia. E tinha chegado.
Ritschl conclui aconselhando os bancos
alemães credores da Grécia a moderarem a sua sofreguidão cobradora, não
só porque a Alemanha vive de exportações e uma crise contagiosa a
arrastaria igualmente para a ruína, mas também porque o calote da
Segunda Guerra Mundial, afirma, vive na memória colectiva do povo grego.
Uma atitude de cobrança implacável das dívidas actuais não deixaria,
segundo o historiador, de reanimar em retaliação as velhas
reivindicações congeladas, da Grécia e doutros países e, nesse caso,
"despojar-nos-ão de tudo, até da camisa".
Sem comentários:
Enviar um comentário